Simone é a Desfolhada Portuguesa, todos o sabem. Mas Simone é também Avé Maria do Povo, canção com versos de Ary dos Santos que entoa quando se lhe pede para escolher um poema.
Simone é «quem faz um filho fá-lo por gosto». Simone é«Avé Mulher do povo» a quem se pede que olhe por quem está só, quase abandonado, mal-aventurado. «É canção tão terra como a Desfolhada, profundamente política e que passou despercebida», explica.
Simone é forte mas chora, olha com serenidade para o passado mas apetece-lhe dizer «olá» quando vê, na RTP Memória, Varela Silva, seu último companheiro, desaparecido em 1995.
Simone teve de tudo, agradece à vida mas perdeu muitas batalhas. Adora viver mas às vezes sente que tem 120 anos. Tem 70. Uma vida que dava um romance, um filme, muitas homenagens. Diz que teve sorte. É uma senhora.
«Nunca quis cantar, nunca quis ser actriz, nunca quis ser coisa alguma. Podia terido fazer bolos», dispara, assim, quase com indiferença. Tinha19 anos, acabado um casamento breve que a deixara de rastos. O médico aconselhara a família a mandar a menina fazer alguma coisa de que gostasse. Foi «por ali», pela música, porque a irmã dizia «ah ela tem uma voz assim». Levaram-na ao Centro de Preparação dos Artistas da Emissora Nacional. Pouco tempo depois era assim: «Quando me começo a pintar, era um bocadinho faça favor de desculpar porque tenho de ir para cima do palco». Diz que «entrou tudo em parafuso em casa». A menina, «simples e ingénua», emancipara-se cedo. «Costumo dizer que a independência das mulheres portuguesas começa quando elas dizem vou ali abaixo beber uma bica. Eu fui aos 19 anos. Tinha um pai aberto, mas,
coitado, calhou-lhe esta filha...»
A vida já lhe pregara uma partida. «E foi acontecendo, grava-se um disco, mais uma cantiga, outro êxito, um prémio.» Sem rumo, ao sabor do destino, agarrada a «fios» que a levaram por «caminhos inesperados». Foi mãe solteira duas vezes. Maria Eduarda e António Pedro, com diferença de 22 meses e hoje com 48 e 46 anos, estão formados, «nunca deram um problema». Criou-os sozinha, «sem um tostão de ajuda sequer para o livro da quarta classe». São o seu orgulho, vê-se nos olhos que se esforçam para travar as lágrimas. E o que ela chorou, em 1957. Diziam que estava amancebada. Até se arrepia só de dizer a palavra. Os sentimentos inundam Simone, que já fala quase com raiva quando recorda os dias que passou «de chapéu na mão, de igreja em igreja» a pedir que baptizassem os filhos. «Só perguntava porquê.» Foi uma tia, irmã da mãe, que a ajudou. «Traga-me cá as crianças, disse-lhe um padre da Amadora. Era um padre comunista.»
(cont.)
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