“Simone reinaugurou a canção portuguesa. Introduziu-lhe modernidade, lucidez e dramatismo.
A canção portuguesa era um cartaz de turismo a esfacelar-se num tapume. Tinha galo de Barcelos, tinha fole de acordeão, tinha fandango. O sol era uma lâmpada de 25 velas pintada de amarelo.
A alegria era um esgar sem cálcio. Vivia do lugar-comum, da quadra e da charanga.
Simone reinaugurou-a. Estilhaçou-lhe a estrutura rígida. Deu-lhe maleabilidade, comunicou-lhe humanidade, tornou-a habitável.
Simone intelectualizou-a, conferiu-lhe um significado, criou para ela uma linguagem certa, clara e funcional. Deu-lhe uma expressão, uma dimensão humana.
Simone invadiu-a de sensibilidade. Preencheu essa faixa vazia que está entre a palavra e a emoção.
A canção portuguesa era um manequim de museu de arte popular, com um riso de papelão e brincos de filigrana. A canção portuguesa foi actualizada e humanizada… Simone criou um estilo que é suficientemente amplo, rico e flexível para suportar um repertório. Simone não é riso que canta nem um autómato que gesticula. Cada canção é uma forma. Cada canção exige uma interpretação. Simone compreende as palavras que profere. A canção de Simone pertence-lhe, identifica-se com ela. As palavras não têm existência autónoma. É Simone que lhes dá sentido, força emocional, densidade.
Simone não é a voz obediente que articula rimas e ondula no perfil da melodia.
A canção está nela e nunca é igual.
…. Simone está entre Maysa, com a sua tristeza dolente e Piaf, com o seu desespero frenético.
Se souber exigir para o seu talento as palavras e a música do tempo e do estilo que lhe pertencem, Simone será a actriz e a voz de toda uma década.”
ARTUR PORTELA, filho
In Rádio e Televisão
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