domingo, 26 de abril de 2009

Simone e Vitor de Sousa em Loulé - conferência "Horizontes do Futuro"

[texto retirado do site www.regiao-sul.pt, autoria de PM/RS]

"Simone de Oliveira, um símbolo e exemplo para todas as mulheres portuguesas pelo seu percurso de vida e carreira, e Vítor de Sousa, actor e “declamador” de poesia como poucos em Portugal, foram os dois convidados de mais uma conferência “Horizontes do Futuro”, que decorreu na noite do passado dia 23, no Salão Nobre da Câmara de Loulé.
Num tom mais informal do que as conferências anteriores e perante um público marcadamente feminino, os dois convidados abordaram diversos temas do passado, sobretudo sobre as suas vivências pessoais e num diálogo entre ambos e o público, que abarcou várias situações do quotidiano passado e presente, perspectivando o que poderá ser o futuro da sociedade portuguesa e do papel da Mulher. Amigos de longa data, os dois artistas têm partilhado o palco, por exemplo na célebre peça inspirada “A Tragédia da Rua das Flores”, ou nas “Conversas de Camarim”. E essa cumplicidade foi bem notória ontem à noite, até nos poemas escolhidos por Vítor de Sousa para declamar nesta noite, de poetas como Ary dos Santos, Sophia de Mello Breyner Andresen, Rita Olivais, Alda Lara ou Rosa Lobato Faria.
Apesar de assumir que tem “um feito um pouco complicado”, Simone referiu que são pontos a seu favor a sua frontalidade e o facto de se bater sempre pelas suas ideias e não aceitar injustiças e má educação. Talvez tenha sido esse o segredo do seu sucesso enquanto artista mas também o que lhe permitiu ultrapassar as diversas contrariedades da vida. E foi por aí que Simone começou. Pelo seu primeiro casamento, com apenas 19 anos, que não durou mais de 2 meses devido às agressões físicas por parte do marido e que a levaram a fugir de casa. “O que me choca é que hoje continuamos a ter imensos casos de violência doméstica”, referiu, adiantando que “somos o país do faz de conta”. Mas apesar da mágoa deste momento que marcou a sua vida, Simone retira dele o lado positivo pois foi a partir daí que começou a cantar “por recomendação médica, pois nessa altura ainda não havia o Prozac”.
A forte ligação com os seus filhos (“são a coisa mais importante da minha vida”) e as dificuldades em registá-los depois da separação, face às dificuldades burocráticas nesta matéria impostas pela Ditadura, e os relacionamentos com Henrique Mendes e Varela Silva também serviram de tema à conversa.
Mas como não podia deixar de ser, as questões mais controversas da sua carreira como a rivalidade com Madalena Iglésias (“uma mulher extremamente bonita e muito certinha”) ou o facto de a conotarem com o regime de Salazar serviram também para algumas reflexões. E quando questionada por Vítor de Sousa sobre “onde estavas tu no 25 de Abril?”, a intérprete da “Desfolhada” descreveu “o bonito dia de sol” em que ia dar um concerto em Almada mas que foi cancelado por causa do movimento revolucionário. A política, de resto, foi um dos assuntos abordados e sobre o qual Simone disse manter uma certa distância, até porque considera que um dos problemas actuais é “a falta de credibilidade dos políticos” e também o facto de “haver poucas mulheres na política”. “Nunca fui muito interessada politicamente mas apoiei alguns presidentes da República como Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio”, adiantou.
Também em relação à religião manifestou a sua descrença nos mandamentos da Igreja e nas suas posições polémicas face, por exemplo, ao uso de contraceptivos. “Se a Igreja quer ser credível tem que dar exemplos que não dá. Não acredito nos padres. Os homens é que fizeram as leis da Igreja. Porque é que o preservativo é pecado?”, questionou. Mas, por outro lado, assumiu perante o público louletano o seu lado esotérico que a faz irradiar energia positiva. De José Carlos Ary dos Santos, autor de muitas das canções que marcam a sua carreira e também amigo do coração, contou alguns episódios especiais. E foi precisamente quando Vítor de Sousa declamou um poema de Ary dos Santos intitulado “Nome” e dedicado à cantora que Simone mais se emocionou.
Para encerrar a noite, Simone deixou um conselho às mulheres portuguesas e que tem sido um lema na sua vida, mesmo nos momentos mais difíceis como foi o período em que lutou contra o cancro: “Acreditem no sonho! Acreditem sempre que vale a pena pois não podemos perder a capacidade de sonhar e de amar!”.

Um comentário:

com senso disse...

Esta reportagem faz-me encher de inveja por não ter estado presente.
Um belo e curioso texto. Muito bem escolhido.
Este "Canto de Simone" é um espaço cada vez mais interessante.